O conceito de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP, ou EPR do inglês) representa uma nova forma de como os fabricantes devem cuidar do ciclo de vida de seus produtos. Em vez de se preocuparem apenas com produção e distribuição, eles precisam atentar-se a todo o processo, desde a concepção até o descarte.
A base desse conceito é que quem produz, importa e distribui também deve ser responsável pelo impacto ambiental, bem como pela coleta e reciclagem do produto ou embalagem.
Ao atribuir ao fabricante essa responsabilidade, a REP incentiva a produção de produtos ecologicamente corretos desde seu desenvolvimento.
Flávio de Miranda Ribeiro, embaixador do Movimento Circular, conselheiro do Pacto Global da ONU e especialista em Economia Circular do SENAI-SP, comenta que esse modelo é amplamente usado em países da União Europeia e que, apesar de não envolver diretamente os consumidores, é esperado que eles contribuam para o descarte adequado.
“Em geral, o consumidor não é citado como depositário de obrigação legal, mas existe a expectativa de que colabore retornando os produtos e embalagens usados aos canais adequados – como pontos de coleta em lojas e locais públicos, ou mesmo aos sistemas de coleta seletiva.”
Implementação EPR
Há diversas maneiras para as empresas implementarem a responsabilidade estendida em seus modelos de negócio.
- Programas de coleta: criação de pontos específicos para o descarte dos produtos.
- Reembolso: o consumidor paga um valor adicional na hora da compra, que é reembolsado quando ele devolve o produto ou embalagem para a reciclagem.
- Alianças com cooperativas: estabelecer acordos com entidades ou ONGs responsáveis pela coleta e reciclagem.
Com isso, as empresas podem contribuir para que haja menos resíduos sólidos no meio ambiente, além de reduzir a extração de matéria-prima e estimular a inovação e a reciclagem.
Desafios da responsabilidade estendida
Por mais benéfico que esse modelo seja, tanto para as empresas quanto para o meio ambiente, existem alguns desafios para sua implementação.
- Custos: a contratação de organizações responsáveis pela coleta ou elaboração de pontos de depósito geram custos às empresas.
- Falta de infraestrutura: a depender de vários fatores, como a região, a estrutura de coleta e reciclagem pode ser ineficiente.
- Conscientização: a reciclagem ainda não é uma prática comum do dia a dia da maioria dos consumidores, sendo necessário um processo de educação ambiental para se obter melhores resultados.
Casos de sucesso
Flávio, que também é professor, consultor e pesquisador em Economia Circular, Logística Reversa, Gestão de Resíduos, Produção mais Limpa, ACV e Regulação Ambiental Empresarial, ressalta que o Brasil coleciona exemplos positivos de retorno, ainda que por aqui não se aplique exatamente o conceito REP.
“Por questões de viabilidade, tanto técnica como econômica, a maioria dos sistemas é organizado com várias empresas se juntando no que chamamos de ‘entidades gestoras’ que coletam os resíduos de forma coletiva.”
Ele cita a Reciclus, entidade focada na coleta e reciclagem de lâmpadas. Com o lema “a lâmpada de hoje é a matéria-prima de amanhã”, a iniciativa já reciclou uma tonelada de vidro, evitando a extração de 1,3 tonelada de areia.
Também no Brasil, a Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (ABREE) trata esses resíduos há mais de uma década.
A instituição sem fins lucrativos busca “definir e organizar o gerenciamento de resíduos sólidos de nossas associadas, implementando sistemas coletivos de logística reversa e promovendo economias de escala ao reduzir os custos operacionais e de transações, garantindo a destinação final ambientalmente adequada dos produtos eletroeletrônicos e eletrodomésticos pós-consumo”.
Já o Instituto Rever procura atender e assegurar o Decreto Federal nº 11.413, publicado em 13 de fevereiro de 2023, que se refere à Logística Reversa e reciclagem de embalagens no geral.
De acordo com a entidade, “O Instituto Rever opera uma solução conjunta da indústria, do setor de coleta e da reciclagem para a adequação às regulamentações legais de resíduos sólidos. Tudo isso com o uso de tecnologia, transparência e escala para otimizar o custo operacional do processo”.
Por fim, Flávio lembra que algumas empresas optam por realizar um trabalho próprio em paralelo, como o Boticário, que tem o programa Boti Recicla, e as lojas Renner, com o Ecoestilo.
“Estas são estratégias razoavelmente recentes, ainda em construção e evolução, e acredito que nos próximos anos se tornarão a regra para muitos setores, fazendo crescer a oferta, qualidade e dispersão geográfica destes sistemas no país”, diz.
Regulamentação e ‘responsabilidade compartilhada’
No Brasil, a lei 12.305/2010, que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, (regulamentada pelo decreto 10.936/22), não usa a expressão “Responsabilidade Estendida do Produtor” e sim “Logística Reversa”.
Flávio explica que a diferença começa pela própria natureza dos termos. Enquanto a REP se refere a uma responsabilidade legal, a logística reversa é um conjunto de ações e operações utilizadas para dar cumprimento à primeira.
“No Brasil, não se utiliza o conceito de REP, embora eu entenda que esteja implícito no termo mais amplo da ‘responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto’, presente na PNRS e que norteia a aplicação da ‘logística reversa’”, compara.
Além disso, a PNRS determina que a implementação da logística reversa se dê por meio de acordos setoriais ou termos de compromisso, nos quais são estabelecidas metas de coleta e reciclagem de resíduos, bem como as responsabilidades de cada agente da cadeia produtiva.
Estes são alguns setores que a legislação prevê a obrigatoriedade da logística reversa:
- Embalagens em geral
- Eletrônicos
- Pilhas e baterias
- Pneus
- Óleos lubrificantes
- Lâmpadas fluorescentes
- Agrotóxicos
“Assim, o melhor seria comparar dois conceitos equivalentes: a REP e a responsabilidade compartilhada, utilizada na lei brasileira”, define Flávio.
Ele detalha que a REP atribui a responsabilidade apenas ao fabricante ou importador, enquanto a responsabilidade compartilhada menciona todos os atores (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos) como depositários de responsabilidades.
Penalidades
O embaixador do Movimento Circular reforça a importância de as empresas criarem um plano e uma estrutura que seja economicamente viável e eficaz, a fim de cumprir as metas estabelecidas e outros componentes previstos na PNRS, como a instalação de pontos de coleta e a elaboração de planos de comunicação.
Ele também destaca que existem sanções e multas para quem não cumpre com suas obrigações legais de logística reversa.
Além do prejuízo financeiro, o não cumprimento pode afetar a credibilidade da empresa e gerar dificuldades.
“Na maioria dos estados brasileiros há previsão de multas, que podem chegar a ser bastante elevadas, e cada vez mais os órgãos ambientais têm negado o licenciamento ou renovação do licenciamento ambiental em caso de não atendimento das regras”, completa.
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