¹ Discente do curso de graduação em Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de São João del Rei
² Docente do departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de São João del Rei

Contextualização e considerações iniciais

Os plásticos são materiais que fazem parte da rotina da população com inúmeras aplicações importantes como embalagens para diversos tipos de produtos como alimentos e cosméticos; na construção civil; setor automotivo; medicina e saúde, além de inúmeros itens como brinquedos e utensílios. São materiais versáteis, duráveis e de custos relativamente baixos. Contudo, a demanda global por plásticos tem crescido significativamente nos últimos anos e junto com esta demanda uma necessidade premente de lidar com os desafios ambientais que a poluição por plásticos e as suas formas de descarte podem acarretar a nível global. Em um estudo recente publicado neste ano, na revista Nature por pesquisadores da Universidade chinesa Tsinghua foi realizada uma análise de toda a cadeia produtiva do plástico até o descarte, considerando os dados de comercialização mundial em 2022. Os resultados levantados por estes pesquisadores são surpreendentes e, ao mesmo tempo, preocupantes. Globalmente, 436,66 milhões de toneladas de plásticos foram comercializadas em 2022, com as matérias-primas mais concentradas em países ricos em recursos petrolíferos e processamento em países com grande capacidade produtiva como a China. Os principais métodos de descarte dos resíduos, de acordo com este estudo, foram os aterros sanitários (40%) e a incineração (34%) enquanto a taxa global de reciclagem permaneceu estagnada (9%).

Dentre os vários tipos de plásticos disponíveis no mercado, o poliestireno expandido (EPS), mais conhecido como isopor, é um dos plásticos encontrados em maior quantidade no ambiente. Utilizado em embalagens de alimentos e objetos, principalmente por ser leve, ter um baixo custo e apresentar propriedades isolantes, representa um grande desafio do ponto de vista ambiental. Embora seja reciclável, o EPS demora séculos para se decompor e, enquanto isso vai se fragmentando em pequenos pedaços chamados microplásticos, que poluem solos, rios e mares. As soluções tradicionais, como a queima ou o envio para aterros, estão longe de resolver o problema e ainda podem gerar impactos negativos para o meio ambiente.

Insetos comestíveis como aliados na degradação do isopor

Nas últimas décadas os insetos comestíveis tem se destacado em muitos estudos como uma fonte sustentável e promissora de proteínas e outros nutrientes, tanto para alimentação humana quanto animal. Os insetos possuem habilidades muito importantes e valorizadas: a capacidade de decompor resíduos e gerar nutrientes de alta qualidade, enquanto suas fezes podem ser usadas como fertilizantes ecologicamente corretos, contribuindo para o ciclo da economia circular.

Além do fornecimento de nutrientes, mais recentemente, os insetos surgem também como alternativas biológicas para a biodegradação do plástico, incluindo o isopor, com grande potencial para se tornar uma solução viável. Espécies como o Tenebrio molitor (larva de farinha), o Zophobas morio (tenebrio gigante) e a Galleria mellonella (traça da cera) já mostraram a capacidade de ingerir e degradar plásticos como o poliestireno, material base do isopor. Isso só é possível devido aos microrganismos presentes em seus intestinos, que produzem enzimas capazes de quebrar as longas cadeias químicas do plástico.

Entre esses insetos, o Tenebrio molitor é um dos mais investigados nas pesquisas científicas. Estudos mostram que ele consegue sobreviver se alimentando de isopor e até converter parte desse material em biomassa. O plástico ingerido passa por transformações dentro do corpo do inseto e não fica acumulado no seu exoesqueleto(o inseto tem um esqueleto na parte externa do corpo que o protege), o que indica a ocorrência de uma modificação do material.

Outro exemplo interessante é a mosca soldado negra (Hermetiaillucens), bastante conhecida por transformar restos dealimento em proteína de alto valor.

Pesquisadores descobriram que ela também pode atuar na degradação de plásticos, já que sua microbiota intestinal se adapta e passa a produzir enzimas específicas para esse processo. Com isso, as espécies de insetos comestíveis deixam de ser vistas somente como transformadoras de resíduos orgânicos (restos de alimento) e passam a ser consideradas uma possível ferramenta no combate à poluição causada pelo plástico.

Como os insetos comestíveis degradam o isopor?

A degradação do isopor pelos insetos comestíveis depende principalmente da microbiota intestinal dos mesmos. Microrganismos que estão presentes no trato digestivo dos insetos realizam a oxidação e reações químicas de quebra parcial do plástico em moléculas de menor tamanho, reduzindo o seu peso molecular e favorecendo a fragmentação química. Dentro do intestino dos insetos, existem enzimas próprias e também produzidas por bactérias que vivem ali. Essas enzimas conseguem quebrar partes do plástico e, ao mesmo tempo, ajudam o inseto a se proteger dos efeitos nocivos que esse material pode causar durante a digestão.

Resultados de estudos sobre a degradação do EPS (poliestireno expandido ou isopor)

Alguns estudos têm mostrado bons resultados com relação à degradação do EPS. Como, por exemplo, as larvas de Plesiophthalmus Davids (larvas do besouro escuro), que foram capazes de sobreviver por 14 dias alimentando-se exclusivamente de EPS, produzindo excrementos quimicamente alterados, indicando uma degradação parcial. Em estudos com T. molitor, verificou-se que a biodegradação foi mais eficiente quando alguns microrganismos intestinais específicos estavam presentes, pois eles contribuem para fragmentar o plástico. Em um estudo com Z. morio, verificou-se que diferentes condições ambientais influenciam o consumo dos insetos por EPS, e com a ausência de alimentos alternativos levou a maior ingestão de isopor, a densidade ideal foi de 20 larvas para cada 5g de EPS, a escuridão aumentou o consumo e a adição de sacarose (açúcar comum) aumentou expressivamente a degradação (Figura 1).

Figura 1. a) Espécie Zophobas morio consumindo isopor e b) isopor consumido pelos insetos, em estudo conduzido na região das Filipinas. Fonte: Abellana e colaboradores, 2005.

Limitações e desafios nutricionais

Embora os insetos demonstrem alto potencial de degradação do isopor, os estudos mostram quea sua completa decomposição ainda não foi possível. Larvas alimentadas somente com isopor apresentamum crescimento limitado, já que o plástico não fornece nutrientes essenciais nem suficientes para o desenvolvimento das larvas, e dietas puramente plásticas podem comprometer o desenvolvimento das mesmas. Em muitos casos, podem permanecer microplásticos nos resíduos produzidos (chamados de frass, uma mistura de fezes e restos de alimento, excrementos deixados pelos insetos). Estes resíduos presentes no frass podem limitar o uso direto desse material como fertilizante. Em contrapartida, alguns cientistas propõem um sistema em duas etapas: primeiro, o frass passaria por um processo de aquecimento sem oxigênio, transformando-se em biochar — um tipo de carvão vegetal usado para melhorar o solo. Em seguida, esse material poderia ser misturado com outros resíduos orgânicos, garantindo um uso agrícola mais seguro.

Implicações ambientais

Apesar dos desafios, existem vários benefícios. Os insetos podem ajudar a reduzir a poluição causada pelo isopor e, ao mesmo tempo, gerar proteínas, gorduras e outros nutrientes que podem ser aproveitados na alimentação animal e até humana. Além disso, os resíduos tratados podem servir como fertilizantes naturais para a agricultura, fortalecendo o conceito de bioeconomia circular, que se baseia em transformar um problema ambiental em uma oportunidade sustentável (Figura 2).

Figura 2. Desenho esquemático que ilustra o conceito de bioeconomia circular envolvendo os insetos comestíveis e o isopor

Conclusão

Assim, os insetos comestíveis podem ser uma solução inovadora e sustentável para enfrentar os grandes desafios da poluição ambiental por plásticos, como o isopor, em diferentes ecossistemas. Ainda há muito a ser pesquisado, como formas de aumentar a eficiência da decomposição destes materiais pelos insetos e garantir a segurança que todos os componentes plásticos da alimentação estão sendo degradados e que não fique resíduos plásticos nos excrementos gerados pelas diferentes espécies. Mas já é possível afirmar que, no futuro, esses pequenos aliados podem desempenhar um papel importante na luta contra a poluição plástica, oferecendo alternativas que unem ciência, sustentabilidade e inovação.

Referências

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