Entre os muitos méritos da segunda edição do Fórum de Economia Circular, realizado nos dias 18 e 19 de maio na cidade de Gramado (RS), está a abrangência da programação, que incluiu vários aspectos da cadeia produtiva – desde a definição de Economia Circular até utilização de resina pós-consumo (PCR), ecodesign e questões legais e tributárias.
Organizado pelo Sinplast-RS e promovido pela Revista Plástico Sul, o encontro – gratuito e que contou também com transmissão pela internet – reuniu um time tão abrangente quanto a programação, com autoridades públicas, entidades setoriais, fabricantes de polímeros, recicladores, brand owners e outros consultores.
A abertura contou com a presença do prefeito em exercício de Gramado, Luís Barbacovi, bem como da secretária de Meio Ambiente, Cristiane Bandeira da Silva, que destacou a constante busca do município por soluções inovadoras na questão do tratamento dos resíduos sólidos.
Estiveram presentes também os representantes da Abrecir (Associação Brasileira de Economia Circular), Ulisses Silva; da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), Paulo Teixeira; da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), André Cordeiro; e do Sinplast-RS (Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Estado do RS), Gerson Haas.
“A Economia Circular é um procedimento incontornável nos dias atuais para as pessoas, cidades e a humanidade como um todo”, disse Haas.
Painel: Conceito de Economia Circular
Nada melhor para começar o dia de debates do que tratar dos desafios para se alcançar a Economia Circular.
Formaram o painel Marcelo Souza (Indústria FOX), Gustavo Alvarez (Rede pela Circularidade do Plástico), Fabiana Quiroga (Braskem) e Beatriz Luz (Exchange 4 Change Brasil), com mediação de Rogério Mani (ABIEF – Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis).
O consenso é que a Economia Circular demanda uma mudança na forma linear de produzir e consumir.
“Desde a Revolução Industrial que se pensa no antes do processo, mas não no que acontece depois. Hoje, precisamos de três elementos- chave: reavaliar o processo produtivo e as matérias-primas, redesenhar produtos e serviços, e rever valores atitudes e comportamento”, elencou Beatriz Luz.
Para Marcelo Souza, as empresas precisam repensar sua atuação. “Do contrário, vai surgir alguém que vai desconstruir seu negócio e tomar seu lugar”, alertou, citando como exemplos de empresas que já nasceram circulares como os aplicativos de transporte (Uber) e de hospedagem (Airbnb).
Painel: Do Resíduo Sólido Urbano à Resina Pós-Consumo
Embora o segundo painel do dia tenha jogado luz sobre a questão da reciclagem – em termos de volumes, qualidade dos resíduos, evolução das máquinas e equipamentos –, os painelistas foram unânimes em reforçar que esta é apenas uma etapa e não representa a Economia Circular como um todo.
Maurício Jaroski (MaxiQuim) trouxe a boa notícia de que em 2021 foi reciclada mais de uma tonelada de plásticos pós-consumo, o que representa 12% da produção anual. Mesmo defendendo que este índice pode e deve melhorar, ele já o considera bastante significativo.
A melhora no processo de reaproveitamento esbarra no descarte correto dos resíduos.
Segundo Rafael Fernandes (Corpus Saneamento e Obras), 53% dos resíduos que chegam às usinas de reciclagem vêm úmidos, o que dificulta o processo. “Isso é fruto da nossa falta de educação ambiental. Se consumidor fizesse a separação adequada em casa, seria um grande avanço para Economia Circular”.
Neste sentido, Alceu Lorenzon (Alcaplas) apontou o plástico flexível como o maior desafio dos recicladores, já que é o mais difícil de higienizar – o que acaba aumentando o custo. “O flexível é o que mais chega em quantidade na reciclagem, mas é o menos reciclado”, apontou.
Com mediação de Manoel Lisboa (Sinplast-RS), participou também deste painel Paolo De Filippis, do Grupo Wortex.
Os debatedores chamaram atenção ainda para a necessidade de engajamento de toda a cadeia, desde o desenvolvimento do produto.
Embalagens multicamadas, por exemplo, dificultam a reciclagem uma vez que cada polímero derrete a uma temperatura diferente.
Não por acaso, o design das embalagens foi tema do painel seguinte.
Painel: Design para a economia circular
Autoridade em engenharia de produto, o professor Antonio Cabral, do Instituto de Tecnologia Mauá, repetiu o mantra de que “a Natureza não tem lixeira”.
“É importante coletar o plástico dos oceanos, mas isso de certa forma está transmitindo para as pessoas a ideia errada de que elas podem jogar, porque eu vou buscar”. Para ele, os designers e brand owners precisam pensar, desde a concepção, em como uma embalagem será desmontada.
Na visão de Sérgio Talocchi (Natura), o consumidor final precisa ser incluído nesta discussão para entender a necessidade de mudar seu modelo de consumo.
“A circularidade tem desafios. O primeiro é sistêmico, e envolve design, cultura da empresa, tecnologia, tributos e outros; o segundo é arte de equilibrar ganhos e perdas. Não dá para ganhar sempre, às vezes você precisa escolher entre agradar consumidor ou agradar circularidade.”
Já Ricardo Sastre (Mudrá Consultoria) lamentou que o mercado como um todo ainda não considera a embalagem como prioridade dentro do processo.
“A maioria das empresas não tem este olhar e recorre a fornecedores que nem sempre são os mais adequados. Além disso, elas não verificam a destinação final da embalagem para evitar repetir projetos ruins.”
O painel teve mediação de Fábio Koutchin, da Piramidal.
Painel: Legislação - Impostos e os impactos na cadeia do produtiva
A fim de abordar o peso das leis e da tributação sobre a Economia Circular, o mediador Luiz Henrique Hartmann (Comeplax) abriu o painel lembrando que o plástico já paga impostos na sua primeira vida útil, e não tem nenhum incentivo quando retorna para a cadeia.
“Ele acaba penalizado com toda carga tributária em cima de um produto que teria sido descartado. Essa penalização faz com que muitas empresas do setor não se formalizem e gerem emprego, porque a carga tributária aproxima o preço final do reciclado do plástico virgem”, apontou.
Ricardo Hajaj destacou que a Abiplast trabalha junto aos órgãos governamentais e parlamentares em busca de incentivos tributários para a cadeia de reciclagem.
Segundo ele, 25 dos 50 estados dos Estados Unidos oferecem algum tipo de incentivo para a atividade, enquanto a China premia estas empresas com abatimento de até 50% do imposto único local, e a União Europeia prevê penalidades para aquelas que não utilizam conteúdo reciclado em seus produtos.
Além da questão tributária, há carência de políticas públicas: “Dois mil e setecentos municípios brasileiros mandam todos seus resíduos para os aterros sanitários”, alertou Fabrício Soler, consultor Jurídico da ONU e CNI.
Ele vislumbra que o plano de transição ecológica anunciado pelo governo federal representa uma enorme oportunidade batendo à porta dos empresários do setor.
O painel contou também com a participação de Rafael de Paula Almeida, da Re-Conecta.
Painel: Políticas Públicas e a participação dos municípios
O painel contou com importantes autoridades, como Anelise Steigleder, do Ministério Público do Meio Ambiente do RS, e Angela Molin, coordenadora da Assessoria Jurídica da Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre.
Para Anelise, o poder público muitas vezes se encontra em um momento de “política reativa”, pois tem que dar respostas a problemas do dia a dia, como saneamento, limpeza urbana e coleta de lixo.
“Por isso, a ideia de sinergia com toda a cadeia ajuda a alavancar políticas públicas que transcendem o saneamento básico. E mais, vão ao encontro da economia solidária, erradicação da pobreza, potencial criativo de pesquisa de soluções e alternativas para os resíduos sólidos.”
Angela Molin acrescentou que nem sempre os órgãos públicos têm pessoal qualificado para preparar políticas de Economia Circular.
Outro participante do painel, o presidente do Simplás-RS, Orlando Marin, defendeu que todos os atores sociais façam parte da solução. “Hoje, essa solução está madura, muito mais avançada, há mais convergência”.
O debate foi mediado pela docente da UFRGS, Istefani Carisio de Paula.
Painel: ESG na indústria
Provocados pelo mediador Manoel Lisboa, do Sinplast-RS, os participantes escolheram qual pilar do conceito ESG – Ambiental, Social e Governança – seria o principal.
“Governança, porque se a gente não tem empresas estruturadas e com transparência e eficiência, não conseguimos ter resultado no ambiental e social”, defendeu Fernanda Boldo (Activas).
Ela foi seguida por Moisés Weber (Plastiweber), segundo quem é por meio da governança que vêm os benefícios sociais e ambientais. “Mesmo quando a gente trabalha a circularidade dentro de uma ótica ambiental, os reflexos são sociais”.
Istefani Carisio de Paula, da UFRGS, concordou, mas acrescentou que muitas vezes a Economia Circular valoriza demais o “E” (Ambiental) e menos o “S” (Social). “E ter o ‘S’ dentro das empresas significa olhar para os colaboradores e criar uma motivação conjunta”.
Painel: Economia Circular na prática - Case Tampinha Legal
Parceiro da Revista Plástico Sul no Fórum de Economia Circular, o Tampinha Legal apresentou seus conceitos, métodos, parceiros e resultados.
Além da vocação educativa, o programa gera renda para entidades assistenciais: “A sociedade coleta; as associações cadastradas recebem, segregam as tampinhas por cor e armazenam; o reciclador faz a compra e paga diretamente às associações”, explicou o presidente do Instituto SustenPlást, Alfredo Schmitt.
Até a realização do evento, o Tampinha Legal somava 636 milhões de tampinhas plásticas recicladas, que resultaram em R$ 2.826 milhões distribuídos entre 602 entidades parceiras.
Para a gerente do programa, Simara Souza, o plástico ainda carece de mais educação ambiental para evitar o desperdício, hiato que o programa visa a cobrir: “Da mesma forma que aprendemos a desligar a luz e fechar a torneira, precisamos aprender a dar destinação correta a todos os resíduos pós-consumo, inclusive os plásticos”.
Os executivos do Tampinha Legal foram introduzidos por Laercio Gonçalves, CEO da Activas.
Painel: Visão dos stakeholders
Os vários agentes da Economia Circular – ou stakeholders, como são chamados – relataram um pouco do que vêm fazendo na questão da circularidade.
Zita Krammer, gerente de Sustentabilidade da Unilever, comemorou o recorde de 32 mil toneladas de resina plástica pós-consumo alcançada pela empresa em suas embalagens. “Não são produtos com edição limitada, o uso do PCR veio para ficar. Nossa próxima meta é a redução de plástico virgem pela metade”.
Entre os pontos abordados, um que mereceu atenção especial foi o da viabilidade econômica, que abrange tanto o custo do plástico reciclado quanto a aceitação do consumidor por uma embalagem feita com PCR.
“Tem que mudar essa mentalidade de que o reciclado é mais barato. É um processo altamente complexo, e os transformadores precisam comunicar melhor para mudar esta percepção da sociedade”, cobrou Albano Schmidt, presidente da Termotécnica.
Já Fabiana Quiroga, da Braskem, reforçou a necessidade da disponibilidade da matéria-prima em volume e qualidade para a resina PCR ter preço competitivo suficiente para remunerar toda a cadeia.
Em relação ao consumidor, Zira Krammer lembrou que as empresas devem ser sustentáveis, mas não podem colocar suas marcas em risco. “Hoje temos vários produtos com embalagem 100% PCR, mas precisamos avançar muito, porque alguns produtos não passam nos testes com consumidores. Eles reclamam de uma variação de cor, por exemplo”.
Como resumiu o mediador do painel, o consultor Amarildo Bazan, “não dá para querer ser verde entrando no vermelho”. Guilherme Brammer, líder da área de Economia Circular da Boomera Ambipar, foi outro participante.
Encerramento: Transformadores e o comprometimento com a economia circular
Para fechar a programação do primeiro dia, o 2º Fórum de Economia Circular Plástico Sul abriu o palco para as entidades representativas ligadas à indústria de transformação do plástico.
Sob mediação de Paulo Teixeira (Abiplast), os dirigentes André Cordeiro (Abiquim), Laercio Gonçalves (Adirplast), Rogério Mani (ABIEF), Albano Schmidt (Simpesc), Gerson Hass (Sinplast-RS), Orlando Marin (Simplás), Jackley Maifredo (Sindiplast-ES), Gladstone José dos Santos (Simperj) e Anísio Bezerra Coelho (Simpepe) avaliaram a situação atual da Economia Circular, relataram ações que cada entidade vem promovendo neste sentido e elogiaram o alto nível dos debates.
Schmidt, do Simpesc, sugeriu que nas próximas edições do Fórum o varejo seja trazido para a discussão, já que se trata de uma peça-chave o funcionamento da logística reversa.