Responsabilidade socioambiental, corporativa, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, ecoeficiência… Nas ultimas décadas, tem-se presenciado uma série de novos conceitos em evolução que apontam para a permanente preocupação das empresas e dos governos na busca por práticas menos impactantes para o ambiente e para as pessoas, mas sem perder a competitividade.
Na prática, e na maioria dos casos, o que se vê, entretanto, está relacionado a uma série de ações que têm buscado apenas reduzir os impactos negativos, ou seja, de “fazer menos mal”, mesmo frente à realidade apresentada por diferentes indicadores planetários, que mostram, ano após ano, a insustentabilidade das atividades humanas.
Por outro lado, nos últimos anos, o conceito de ESG (Environmental, Social, Governance) tem se apresentado como uma abordagem estratégica para empresas que buscam não apenas retorno financeiro, mas que também entendem sua responsabilidade em gerar impactos positivos com responsabilidade no ecossistema em que atuam. Com isso, amplia-se a visão de que “fazer menos mal” nunca foi – e nunca será – o suficiente.
Mas como “fazer o bem” e gerar impactos positivos na prática?
Ao longo deste mesmo período da história, e inspirado pela visão de Kenneth Boulding trazida em seu artigo “The Economics of the Coming Spaceship Earth” (1966), surge e também evolui um modelo econômico alternativo que propõe a valorização dos recursos e a redução sistemática da geração de resíduos. Nesse artigo Boulding afirma que[1]
“[…] tenho vontade de chamar a economia aberta de ‘economia do cowboy’, sendo o cowboy simbólico das planícies ilimitadas e também associado a um comportamento imprudente, explorador, romântico e violento, característico das sociedades abertas. A economia fechada do futuro poderia, de modo semelhante, ser chamada de ‘economia do astronauta’, na qual a Terra se tornou uma única nave espacial, sem reservatórios ilimitados de nada — seja para extração, seja para poluição — e na qual, portanto, o ser humano precisa encontrar seu lugar em um sistema ecológico cíclico, capaz de reprodução contínua da matéria, embora não possa escapar da necessidade de entradas de energia.”
Sim, estavam lançadas as bases fundamentais para o que chamamos de Economia Circular.
Quando apresentado de forma assertiva pela ONU e Banco Mundial no relatório de 2004 “Who cares wins”, o ESG já encontrava na Economia Circular uma de suas principais estratégias de ação na criação de modelos de negócio inovadores e mais sustentáveis, uma vez que ambas valorizam uma visão mais sistêmica e integrada no que diz respeito a toda a cadeia de extração, produção, consumo e descarte, bem como todos os stakeholders envolvidos nos diferentes processos. É uma combinação do tipo ganha-ganha-ganha, considerando-se os ambientes, as sociedades e os múltiplos processos de governança associados via Economia Circular.
Dessa forma, pode-se afirmar que ESG e Economia Circular, em especial a partir dos anos 2000, são conceitos (e práticas) em profunda coevolução, e têm se tornado indissociáveis pela abrangência das visões e práticas que encerram.
Embora a Economia Circular possa ser considerada estratégia central considerando-se as diferentes metas ESG, a urgência das policrises atuais demanda ações cada vez mais ousadas. Ou seja, há camadas mais profundas que revelam como esses conceitos coevoluem e se fortalecem em dimensões para além da economia de recursos e menor geração de resíduos. Vamos considerar o tripé ESG para uma abordagem mais complexa, sistêmica e inclusiva da Economia Circular.
E
No pilar ambiental, a Economia Circular não só visa economia de recursos e matérias-primas, redução de emissões e resíduos. Ela também tem como objetivo transformar a forma como cadeias de valor são concebidas, introduzindo conceitos como design regenerativo, biomimética e economia de performance. Isso desafia modelos de negócio tradicionais, levando empresas a inovarem em seus produtos e serviços, o que se reflete positivamente em indicadores ESG de inovação ambiental, mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
S
No pilar social, a Economia Circular pode criar oportunidades inclusivas e descentralizadas. Ao incentivar modelos como logística reversa, reuso, reparação e reciclagem, ela abre espaço para novos negócios locais, cooperativas, pequenos empreendedores e redes colaborativas, especialmente em comunidades vulneráveis. Isso gera empregos com menor barreira de entrada, promove educação ambiental e fortalece a economia comunitária, também endereçando indicadores ESG de diversidade, inclusão e impacto social direto.
G
Já sob a ótica da governança, a transição para uma Economia Circular exige um nível de transparência, rastreabilidade e gestão de riscos muito mais sofisticado. Empresas precisam repensar suas métricas, relatórios e governança de cadeias de suprimento para garantir a circularidade de materiais, ética no relacionamento com parceiros e responsabilidade pelo ciclo completo de seus produtos. Essa complexidade favorece organizações com sistemas de governança robustos, integrados e abertos a inovações regulatórias e tecnológicas, como blockchain para rastreamento de resíduos ou plataformas digitais de economia compartilhada.
Outro ponto relevante é que a Economia Circular, ao se estruturar em ciclos fechados e otimização de recursos, contribui para a resiliência empresarial, tema cada vez mais valorizado em frameworks ESG. Organizações circulares tendem a ser menos expostas a flutuações de preço de matérias-primas, interrupções logísticas e restrições ambientais, o que fortalece sua capacidade de adaptação e competitividade em cenários de instabilidades e incertezas cada vez mais frequentes.
Talvez o mais importante e necessário se considerando a incorporação da Economia Circular como parte da estratégia ESG, seja a coragem de ampliar a visão tradicional de sustentabilidade, deslocando-a do discurso compensatório (“fazer menos mal”) — focado em mitigar impactos negativos — para um posicionamento mais propositivo, pelo qual empresas geram impacto positivo para o meio ambiente e as sociedades. Essa abordagem não somente melhora o desempenho dos índices ESG, como posiciona as organizações como protagonistas na transição para novos paradigmas, não somente focados em sustentabilidade (no zero a zero), mas destinados a garantir a regeneração daquilo que já foi perdido.
Regeneração, inclusive, que é processo considerado central à Economia Circular.
Mas esse é tema para outro artigo.
[1] Tradução livre do autor.